Os bastidores do índice que mede igualdade de gênero e o que o RH pode aprender com ele
Raissa Damasceno
Autor
Todo RH já ouviu que precisa usar dados. A frase virou mantra em apresentações, cursos, consultorias. Na prática, o que se vê com frequência é uma corrida para tentar medir tudo e colocar em um painel bem completo, sem muito critério sobre o que vale a pena entrar.
Vejo pouca gente fazendo a pergunta que realmente importa: o que esses dados estão tentando dizer? E por que escolhemos olhar para eles, e não para outros?
E é exatamente esse tipo de raciocínio que o RH precisa aplicar para sair da coleta de dados irrelevantes e focar naquilo que realmente move o ponteiro do negócio.
Um excelente exemplo para fazer essa discussão é o Glass Ceiling Index, publicado anualmente pela The Economist para medir a igualdade de gênero no mercado de trabalho entre países da OCDE.
O mais interessante aqui não é o ranking em si, mas o jeito como ele foi construído.
Olhar pra isso com atenção ajuda a gente a pensar com mais clareza sobre os dados que usamos todos os dias. Por quecconstruir um índice é, essencialmente, um exercício de priorização com método. Envolve decidir quais variáveis representam melhor a realidade, quais devem pesar mais ou menos e como comunicar tudo isso com clareza.
O que você incluiria se fosse montar esse índice?
Antes de te mostrar os indicadores que compõem esse índice, quero te convidar a pensar como um construtor de modelo. Vamos supor que seu objetivo fosse medir quão difícil é para uma mulher alcançar posições de liderança em um país. Quais variáveis você escolheria?
A porcentagem de mulheres em cargos de liderança?
A diferença salarial?
O número de mulheres com ensino superior?
A taxa de informalidade entre as trabalhadoras?
A presença de creches públicas?
Essas são todas questões válidas.
E é exatamente esse o exercício que um RH estratégico precisa aprender a fazer. Nem tudo pode entrar no modelo e nem tudo deverá ter o mesmo peso. Então você precisa fazer escolhas e mais importante: justificá-las com clareza.
A seguir, vou te mostrar quais indicadores foram selecionados, quais ficaram de fora, e o racional por trás dessas decisões.
Por que esses indicadores foram escolhidos?
Ao construir um índice, os autores precisam equilibrar três critérios:
Representatividade: a variável escolhida realmente representa o fenômeno que estamos tentando medir?
Disponibilidade e padronização: há dados comparáveis entre os países?
Capacidade explicativa: esse dado ajuda a entender o que impede ou facilita a ascensão das mulheres?
Com base nesses critérios, a The Economist chegou em 10 indicadores, vamos a eles:

Fonte: construído pela autora
E o que ficou de fora?
Todo índice é uma representação da realidade e como tal, envolve escolhas subjetivas.
Por mais técnico que pareça, decidir o que entra ou não em um índice é uma decisão influenciada por valores, objetivos e limitações dos autores. No caso do Glass Ceiling Index, a Economist definiu que seu objetivo era medir o acesso de mulheres ao mercado de trabalho e a cargos de liderança.
Com esse recorte, várias variáveis ficaram de fora. E isso não é propriamente um erro, é uma escolha. Mas vale lembrar que isso significa que informações que para outros autores poderiam ser consideradas igualmente importantes e não entraram no index.
O que o Glass Ceiling Index nos ensina?
Analisar um índice como o Glass Ceiling é uma forma prática de treinar o olhar do RH para algo que ainda falta em muitos relatórios: pensar com critério.
A primeira lição é: nem todo dado precisa entrar. O índice mostra que é melhor ter menos indicadores, mas mais relevantes, do que empilhar gráficos que dizem pouco. E mais: nem tudo tem o mesmo peso. Diferença salarial pesa mais que custo de creche. Cargos de liderança importam mais que número de diplomas.
Isso é priorização com intenção.
Outra coisa que salta aos olhos: os dados estão organizados para contar uma história clara. Vários temas complexos, como política, salários, licença parental, foram traduzidos em uma única medida que permite comparação entre países. É isso que o RH precisa fazer: sair da apresentação solta de números e mostrar o que eles significam juntos.
Tudo tem justificativa: o que entra, o que fica de fora, o peso de cada item. E é isso que dá confiabilidade ao index. Quando o RH sabe explicar por que está medindo algo e qual impacto aquilo tem no negócio, ele passa a ser visto como parceiro e não só como quem entrega relatórios.
No fim das contas, o ranking não é só um número. É um retrato pensado com lógica e intenção. E esse tipo de raciocínio é o que separa um time que só controla processos de um que realmente ajuda a tomar decisões.
Porque construir um índice é, na prática, decidir o que importa.
Se o seu RH ainda mede tudo com o mesmo peso, apresenta tudo com o mesmo destaque e trata todos os dados como se tivessem o mesmo impacto, está controlando informação, mas não está decidindo com ela.
Compartilhe este texto com quem vai gostar de ver uma perspectiva diferente sobre o uso de indicadores.
Foto: Gebhartyler